Escreve-se, repete-se, cria-se, cita-se. Nas palavras de Nietzsche, funciona mais ou menos assim: “A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez”. Dessa forma é o Poucas e Tantas, um pouco de tudo, muitas coisas repetidas, outras inéditas (ou não tão inéditas), algumas curiosidades...

sábado, 7 de abril de 2012

Difícil entender os homens nesses momentos. Ainda bem que existe o Luis Fernando Veríssimo para explicar.
Da coleção de crônicas "Sexo na Cabeça", histórias curtas e inteligentes para entendermos os universos feminino e masculino, na cama, no banheiro, no elevador...

Nádegas Redolentes

Ela era irresistível quando acordava. Tinha até um cheiro diferente, que desaparecia no resto do dia. Um cheiro morno. Cheiro de leite morno, era isso. Com um inexplicável toque de baunilha. Mas ela acordava de mau humor.
Quente, cheirosa, apetitosa e emburrada. Nem deixava ele beijá-la na boca. “Eu ainda não escovei os dentes!” E se ele tentasse beijar o seu umbigo (nozmoscada, possivelmente canela), ela lhe dava um chute.
Não eram só os cheiros. Ela acordava fisicamente diferente. A cara maravilhosamente inchada, a boca intumescida, como a de certas meninas do Renoir. No resto do dia ia alongando-se, modiglianizando-se, mas de manhã era uma camponesa compacta, com fantásticas olheiras roxas. Ele não sabia explicar. Ela era uma mulher delgada, de pernas compridas, mas de manhã tinha as pernas grossas. E ou ele muito se enganava ou até a bunda ela perdia, de dia. A bunda. As nádegas redolentes. “Mmmmm... Ervas aromáticas. Um quê de sândalo...”
— Pá-ra.
De noite, ela insistia e o emburrado era ele. Ela tomava banho, botava uma camisola transparente e deitava ao lado dele, toda certinha, penteado perfeito. Ele não podia dizer que gostava mesmo era quando ela acordava com a camisola toda torta, com uma alça enroscada nas pernas, nas doces pernocas matinais. Ele ficava lendo, ela ficava esperando. Cheirando a sabonete e esperando. Tentava começar uma brincadeira, cutucando-o com o pé.
Cantarolava no seu ouvido “– Ele já não gosta mais de mim, que pena, que peena..”. Ele continuava lendo até que ela desistisse e dormisse. Ele não queria nada com aquela pessoa que virava as pestanas antes de ir para a cama. Queria era a camponesa da manha. Sonhava com a sua camponesa irritada.
A tese dela era que, antes de escovar os dentes e tomar café, uma pessoa não é uma pessoa, é uma coisa. Pode evoluir para uma pessoa se fizer um esforço, mas é um processo lento e difícil que requer concentração, e exclui qualquer forma de digressão, ainda mais sexual. Comparava o sono a um acidente ao qual a gente sobrevive, mas leva meio dia para se recuperar. E o desejo dele de possuí-la antes de escovar os dentes a uma tara indefensável, quase a uma forma de necrofilia. “Sai, sai!” E levantava-se, tentando encontrar as pontas da camisola, puxando uma alça do meio das pernas com fúria.
Quando chegava à porta do banheiro, já era uma mulher comprida. E ele ficava cheirando o travesseiro ainda quente. Mmmm. Baunilha, decididamente baunilha.
Uma noite, ela disse:
– Eu acho que você tem outra. Acho que você está pensando nela neste momento. Fingindo que lê e pensando nela. Diz que não!
Ele não disse que não. Estava pensando nela, de manhã. A sua outra, a sua inatingível outra, a das pernocas, a da baunilha. Mas ela não precisava se preocupar, pensou. Nunca seria enganada. A outra não queria nada com ele.
– Apaga a luz, apaga.
Ele suspirou, fechou o livro, apagou a luz. Enquanto faziam amor, ele tentava imaginar que ela era a outra. Mas o cheiro de sabonete atrapalhava.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Só e ao mesmo tempo acompanhado

Um livro é como uma janela. Quem não o lê, é como alguém que ficou distante da janela e só pode ver uma pequena parte da paisagem.
- Kahlil Gibran - 



É mais ou menos assim:
Sentimos uma grande necessidade de tê-lo e então seguimos a sua procura. De canto em canto procuramos aquele que mais nos agrade, seja em bancas, prateleiras ou estantes. Muitos são folheados e admirados, outros ficam em paz ou entregues a sorte. Até esse momento, não há sentimentos que não sejam apenas de posse. Ainda não há troca. Posto que a procura é nossa, ficamos cegos e não percebemos que, na verdade, é ele que nos encontra. Somos atraídos tal qual mariposas nas garras de plantas carnívoras. Sua crueldade inteligente exala aromas de papel novo recém saído da imprensa ou mesmo de sebos, onde os mais antigos fazem que vidrem nossos olhos e, até os mais doentes, rogam que lhe sejam cuidados. Finalmente, hipnotizados, o escolhemos. 



Capa, conteúdo, plenitude de palavras. Se houver troca (e é isso o que esperamos), ele falará a nossa alma. Responderemos com grande encanto. Quando encurralados respondemos ao seu chamado, estamos a sua mercê. Prestes a nos apaixonarmos, nos envolvemos durante a troca. É quando, sem prévio aviso, ele se vai e ficamos órfãos, recomeçando a busca incessante.



Qual ioga, qual nada! A melhor ginástica respiratória que existe é a leitura,
 em voz alta, dos Lusíadas.
- Mario Quintana -

Quem sou eu

Minha foto
Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
No momento, sou uma citação do Mario Quintana: "A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo. Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali... Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!"

O Poucas e Tantas recomenda

Ecoblogs