Escreve-se, repete-se, cria-se, cita-se. Nas palavras de Nietzsche, funciona mais ou menos assim: “A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez”. Dessa forma é o Poucas e Tantas, um pouco de tudo, muitas coisas repetidas, outras inéditas (ou não tão inéditas), algumas curiosidades...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Invenções Divinas e Invenções do Diabo


A expressão "invenção do diabo" faz presumir que o diabo vive a criar coisas para atormentar-nos, pobres mortais

O século XX passou rápido demais. Tão rápido que nem nos demos conta de quão geniais foram alguns inventos e descobertas. Escrevo isso depois de quedar-me boquiaberto diante da engenhosidade de um (já aos nossos olhos primitivo) abridor de latas. Isso porque precisei de um. Que simples, que inteligente, que preciosa invenção. Segundo relatos, o primeiro abridor de latas inventado parecia uma cruza de baioneta com foice e data da segunda metade do século XIX. O abridor, tal como se conhece hoje, é criação do americano William Lyman, patenteada em 1870.

Tenho pela máquina de escrever – um invento, assim como o abridor, ultrapassado – um carinho de jornalista aposentado. Guardo comigo uma Olivetti Lettera 32, com a qual escrevi algumas de minhas primeiras letras de canções. Meus filhos olham para ela como se houvesse sido retirada do acervo do homem de Neanderthal. Mas a máquina de escrever não é uma invenção tão antiga quanto o advento do computador pessoal a fez parecer. Sua primeira patente data do século XVIII e foi concedida ao inventor Henry Mill. Um século depois, o projeto de Mill foi aperfeiçoado, mas as tentativas, segundo consta, estavam mais próximas de um piano que de uma máquina de escrever. Sua autoria passa a ser disputada por inventores americanos, franceses e até um brasileiro, o padre paraibano Francisco João de Azevedo, que, conta a lenda, teve sua patente roubada por três inventores americanos, que a teriam apresentado à firma Remington, fabricante de armas. Daí por diante a história é imaginável.

A correria tecnológica transformou muito rapidamente em obsoletos objetos relativamente modernos – basta ver a primeira geração de celulares, parecem apetrechos medievais. Monitores compactos e de tela plana fazem os antigos monitores parecerem fogões a lenha. Assim é também com as máquinas fotográficas anteriores ao advento das digitais. Curioso é que, no mesmo ritmo em que as engenhocas evoluem freneticamente, uma certa “febre vintage” assola a humanidade. Nunca se viu tantos “produtos” a replicar modelos antigos – desde carros até geladeiras, instrumentos musicais, roupas, móveis, acessórios de moda e o diabo a quatro. Talvez isso possa ser explicado por uma espécie de nostalgia atávica da raça humana, eternamente dividida entre o ímpeto com que avança para o futuro e a saudade vã com que olha para o passado.

Assim como as invenções fantásticas, algumas das quais mencionei acima, há outras que são verdadeiras invenções do diabo. A expressão “invenção do diabo” faz presumir que o diabo vive a criar coisas para atormentar-nos, pobres mortais. Isso me leva a deduzir que é engenhoso então o coisa-ruim em seus inventos, tamanho o inferno que causam em nossas vidas.

Citarei algumas de minha (não) predileção, mas a lista pode ser fartamente aumentada: pires com o buraco da xícara fora do centro – para quê, me pergunto, já que a função do pires seria enquadrar a xícara?...; etiquetas de bagagem de mão, que antes, bem antes do embarque você já terá deixado cair distraído enquanto toma um café; chaves de hotel magnéticas, que fatalmente estarão desmagnetizadas quando você voltar às duas da manhã, cansado, com sono e dois degraus acima da normalidade; talher de peixe (uma inutilidade completa) e as famigeradas janelas persianas, aquelas de enrolar, certamente criadas por algum demônio persa com a finalidade de testar a santa paciência dos cristãos.

P.S.: Para não destoar, nesta época de salamaleques de virada de ano, quero desejar a todos um ano menos febril, no sentido veloz-cotidiano da palavra, e mais febril, no sentido apaixonado que ela carrega.

Zeca Baleiro (Cantor e Compositor – Colunista Mensal/Isto É)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem sou eu

Minha foto
Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
No momento, sou uma citação do Mario Quintana: "A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo. Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali... Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!"

O Poucas e Tantas recomenda

Ecoblogs